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18 Setembro 2019

Brasil – Assassinato de integrante do MST aumenta a preocupação com políticas estatais que incitam a violência contra defensores de direitos humanos

Atualização:

Em 20 de agosto de 2019, a decisão de despejar as 700 famílias que vivem no Acampamento
Marielle Vive! foi suspensa por 90 dias pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Durante o processo, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo solicitou a anulação da decisão, dada a ausência dos requisitos legais necessários - tais como a delimitação espacial da área a ser despejada.

 

Atualização 12 de agosto de 2019: Despejo iminente de residentes do Acampamento Marielle Vive

Em 12 de agosto de 2019, uma juíza ordenou o despejo das 700 famílias que vivem e trabalham no Acampamento Marielle Vive, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na Fazenda Eldorado, em Valinhos. As famílias que ali residem contam com o prazo de 15 dias uteis para deixar suas casas.

O Acampamento foi criado por pessoas defensoras de direitos humanos em 14 de abril de 2018, e, desde então, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que os supostos proprietários da fazenda não provaram o exercício de posse sobre o terreno - o que deu fundamento legal para que as pessoas defensoras dessem seguimento à ocupação.

No entanto, em 12 de agosto, uma juíza de primeira instância decidiu que as famílias e as pessoas defensoras seriam despejadas, com base em um contrato expirado de arrendamento para a criação de gado. Essa decisão não cumpre com os requisitos legais necessários, como a organização de uma reunião preliminar com residentes do acampamento para discutir formas alternativas de resolver a disputa.

A Front Line Defenders está extremamente preocupada com a situação de vulnerabilidade das pessoas defensoras de direitos humanos e residentes do Acampamento Marielle Vive, tendo em vista o recente ataque contra a ocupação que resultou no assassinato do defensor Luis Ferreira da Costa. A Front Line Defenders também segue preocupada pelo aumento no padrão de iniciativas que visam minar o trabalho de pessoas defensoras do direito à terra no Brasil, que são legitimadas por campanhas de difamação de alto nível contra tais defensores. A Front Line Defenders pede às autoridades nacionais que garantam a proteção das pessoas defensoras de direitos humanos que vivem e trabalham no Acampamento Marielle Vive, e que se abstenham de fazer declarações públicas que incitem violência contra defensores e defensoras do direitos ao acesso à terra.

Na manhã de 18 de julho de 2019, o integrante do MST Luis Ferreira da Costa foi assassinado por um motorista de caminhonete enquanto protestava por acesso à água em Valinhos, São Paulo. Quatrocentos moradores do Acampamento Marielle Vive participaram do protesto, exigindo que as autoridades municipais concedam acesso a água, saúde e educação à sua comunidade, e distribuíram alimentos e panfletos aos carros que por ali passaram.

O Acampamento Marielle Vive foi criado por 700 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra desde abril de 2018 na Fazenda Eldorado Empreendimentos Ltda, uma fazenda improdutiva às margens da estrada Jequitiba. Atualmente, mais de 1000 famílias vivem e trabalham no Acampamento, que também conta com uma escola de alfabetização para adultos, grupos de direitos das mulheres e equipes de futebol masculino e feminino.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é o maior movimento social que pressiona pela reforma agrária no Brasil, para combater a alta concentração fundiária do país e as violações de direitos humanos a ela associadas. Os acampamentos e assentamentos organizados por trabalhadores rurais e defensores dos direitos humanos são caracterizados pela agricultura familiar sustentável e pela comercialização dos excedentes de produção, sendo muitas vezes responsáveis pelo fornecimento de grãos e hortaliças nas cidades vizinhas.

O modelo de agronegócio aplicado no Brasil tem promovido desigualdades, violações de direitos humanos e impactos ambientais adversos, colocando a biodiversidade em risco. Isso dificulta cada vez mais os esforços e a resistência de quem cria formas alternativas de viver e trabalhar na terra - como aquelas propostas pelo MST, reconhecidas em todo o continente. O MST está presente em 24 Estados das cinco regiões do país. Cerca de 350.000 famílias conseguiram acesso à terra através da luta e organização do movimento.

Durante o protesto em Valinhos, em 18 de julho de 2019, um homem dirigindo uma caminhonete Mitsubishi L200 desrespeitou o bloqueio da estrada, na contramão e em alta velocidade, em direção aos manifestantes, assassinando Luis Ferreira da Costa, de 72 anos, e ferindo um jornalista e três outros indivíduos. Luis Ferreira da Costa morreu a caminho de uma unidade de assistência médica. Após o ataque, o motorista mostrou aos manifestantes que trazia uma arma de fogo e fugiu. Testemunhas disseram que o motorista e o passageiro afirmaram que "atropelariam" os manifestantes. Horas depois, a Polícia Civil conseguiu identificar e prender o motorista.

Em 20 de julho de 2019, integrantes do MST se reuniram em Valinhos para protestar contra a violência rural e a campanha de difamação contra o movimento. Através do protesto, buscou-se chamar a atenção para a crescente intimidação e criminalização contra movimentos populares no Brasil, que vêm sendo traduzidos em políticas públicas.

O presidente do Conselho de Direitos Humanos do Estado de São Paulo (Condepe) afirmou que a investigação decorrente do ataque deve levar em conta o contexto de discursos de ódio e violência institucional contra movimentos sociais, e que esse crime é "a expressão de uma política de morte".

Desde a campanha do presidente Jair Bolsonaro e sua posterior eleição em 2018, uma série de declarações públicas foram feitas por ele contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, incluindo que o grupo era composto de terroristas que deveriam ser "tratados com balas". Ele também tem sido responsável por promover políticas que incitam à violência e à impunidade, como a flexibilização das leis de armas de fogo do país e o desmantelamento das instituições de direitos humanos e de reforma agrária.

Tais medidas e declarações legitimam aqueles que agem violentamente contra integrantes do MST, como demonstrado pelo ataque de 18 de julho. Front Line Defenders está particularmente preocupada pela segurança dos acampamentos e assentamentos do MST no Brasil, e observa com preocupação o aumento do risco ao qual seguem expostos.

As autoridades estatais devem reconhecer publicamente o papel positivo e legítimo das pessoas defensoras de direitos humanos em uma sociedade democrática, e garantir que funcionários públicos se abstenham de se envolver em estigmatizações, campanhas de difamação e discursos de ódio contra aqueles que defendem os direitos humanos e o acesso à terra, e se desculpem publicamente quando o fizerem. Front Line Defenders convoca a todos os atores para que condenem o ataque contra quem defende o direito à terra no Brasil, em particular aqueles contrario ao  trabalho pacífico e legítimo do MST e de seus integrantes, e pede às autoridades nacionais e estaduais que tomem medidas imediatas para garantir sua proteção.