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25 Março 2022

Preocupação pela intensificação dos ataques e intimidações contra o povo indígena Ka’apor

A Front Line Defenders está preocupada com a escalada de violência contra o povo indígena Ka'apor no estado do Maranhão, Brasil. Durante o ataque mais recente, em 22 de Janeiro de 2022, defensores de direitos humanos do povo indígena Ka'apor foram perseguidos por quatro veículos numa estrada, no município de Santa Luiza do Paruá. Os veículos eram conduzidos por madeireiros ilegais que bloquearam a estrada num ato de intimidação.

Os defensores de direitos indígenas relataram que o incidente ocorreu em represália pelo estabelecimento da 11ª área de proteção em 18 de janeiro de 2022, em uma região desmatada ao redor da Terra Indígena Alto Turiaçu. Nessa ocasião, os Ka'apor puderam fotografar as placas de três dos automóveis e descobriram que dois deles portavam placas falsas - os modelos dos automóveis não correspondiam aos registros oficiais. Um desses veículos continha um adesivo com o nome de um político local, que é pré-candidato ao governo estadual nas próximas eleições, a serem realizadas em outubro de 2022.

O território do povo Ka'apor foi reconhecido em 1982. A Terra Indígena Alto Turiaçu estende-se por 530 mil hectares, localizados na fronteira entre os estados do Maranhão e do Pará, na região da Amazônia brasileira. Este território está sujeito à constante exploração ilegal de madeira, mineração e expansão do agronegócio, facilitada por organizações criminosas com o apoio relatado de políticos locais.

Desde 2013, com o objetivo de frear as invasões do território e a exploração ilegal da floresta amazônica, os indígenas Ka'apor estabeleceram zonas de proteção e produção agroflorestal nas áreas limítrofes das terras indígenas, próximas à estradas clandestinas abertas por garimpeiros e madeireiros ilegais. Estas atividades para proteger as terras indígenas não tiveram o apoio de nenhum órgão público, incluindo a Funai, o órgão indigenista do Estado brasileiro responsável por assegurar o cumprimento dos direitos territoriais dos povos indígenas. As ações das comunidades Ka'apor por todo o território têm contribuído para o reflorestamento da região, conseguindo recuperar cerca de 80% das áreas degradadas. Devido ao seu trabalho protegendo o território e o meio ambiente, representantes do povo Ka'apor têm sido constantemente atacados e perseguidos por madeireiros e garimpeiros ilegais.

Desde 2015, sete membros do Povo Indígena Ka'apor foram assassinados, dentre eles quatro lideranças indígenas e defensores de direitos humanos, a saber, o cacique Eusébio Ka'apor, que foi emboscado e morto por pistoleiros em 2015; Sairá Ka'apor, membro do Ka'a usak ha (Guarda de Autodefesa Ka'apor) esfaqueado até a morte no povoado madeireiro de Betel, no município de Araguanã, em 2016; Jurandir Ka'apor, baleado e morto por madeireiros ilegais em 2019; e Kwaxipuru Ka'apor, espancado até a morte em 2020. Até hoje, as investigações não encontraram os responsáveis pelos assassinatos, reforçando uma atmosfera de impunidade que autoriza a perseguição e a violência extrema contra os defensores de direitos indígenas que desafiam os interesses comerciais de políticos locais, empresas privadas e organizações criminosas na região.

Nos últimos anos, os defensores de direitos humanos do Povo indígena Ka'apor têm sido alvo constante de intimidações, campanhas de difamação, criminalização e agressão física. Atualmente, 4 integrantes do Povo Indígena Ka'apor estão incluídos no Programa de Proteção para Defensores e Defensoras de Direitos Humanos no estado do Maranhão. Contudo, a assistência efetiva, em termos de proteção e apoio à formalização de queixas de ataques e outros tipos de violência perante os órgãos públicos competentes, tem sido limitada.

 

Em 9 de março de 2022, o Projeto de Lei 191/2020, apresentado pelo Presidente Jair Bolsonaro, foi colocado em um regime de urgência na Câmara dos Deputados. O projeto, que visa permitir a mineração em terras indígenas - hoje considerada inconstitucional de acordo com a Constituição brasileira - foi reintroduzido sob o pretexto de responder a uma possível escassez de fertilizantes minerais utilizados pelo agronegócio brasileiro, que poderiam estar em falta devido à invasão militar russa na Ucrânia. Se aprovado, o PL poderia aumentar o risco dos povos indígenas e seus territórios e incentivar um aumento dos envenenamentos por mercúrio, deslocamento forçado, ataques físicos e assassinatos, o que afetaria particularmente aqueles que se levantam em defesa dos povos indígenas e do meio ambiente.

A Front Line Defenders condena a escalada de ataques e ameaças contra o Povo Indígena Ka'apor e seus defensores e acredita que estes estão diretamente relacionados com o trabalho legítimo e necessário realizado pelas lideranças indígenas em defesa dos direitos da terra e do meio ambiente. A Front Line Defenders está profundamente preocupada com a ausência de medidas efetivas para garantir a integridade física dos membros do Povo Ka'apor e de seu território, em desconsideração às obrigações estabelecidas pela Constituição Brasileira. A Front Line Defenders insta as autoridades locais e nacionais a investigarem as violações, incluindo ataques físicos e assassinatos, cometidos contra o povo Ka'apor e defensores de direitos indígenas na Terra Indígena do Alto Turiaçu, com o objetivo de publicar os resultados e levar os responsáveis à justiça, de acordo com os padrões internacionais.

 

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