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1 Abril 2019

Submissão de RPU – Angola 2019

Submissão à 34a Sessão de Revisão Periódica Universal, Outubro/Novembro 2019
Data da Submissão: 28 de março de 2019

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INTRODUÇÃO E QUESTÕES PRINCIPAIS

1. Esta submissão centra-se na situação de pessoas defensoras de direitos humanos e de jornalistas em Angola e cobre os desenvolvimentos de outubro de 2014 a março de 2019.

2. No período considerado, a Front Line Defenders realizou visitas às províncias da Huíla, Benguela e Luanda, reuniu-se com defensores e defensoras de direitos humanos angolanos e angolanas no Brasil e na Irlanda, recebeu informações através de comunicação regular com pessoas defensoras no país e prestou apoio direto em 33 casos. A maioria dos casos apoiados estavam relacionados a detenção arbitrária e a criminalização de defensores e defensoras de direitos humanos e jornalistas.

3. Em sua última Revisão Periódica Universal (RPU), em outubro de 2014, Angola recebeu quatro recomendações sobre a situação de pessoas defensoras de direitos humanos e 15 recomendações relativas à liberdade de expressão e opinião, liberdade de imprensa, liberdade de associação e direito de reunião pacífica. A Front Line Defenders acredita que a situação geral da defesa dos direitos humanos continua preocupante, apesar de novos desenvolvimentos políticos promissores desde as eleições de 2017 (ver abaixo), e identificou as seguintes áreas de preocupação:

  • (a) Perseguição judicial, particularmente por meio do uso de processos por difamação;
  • (b) Restrição ao direito de reunião pacífica e repressão a protestos sociais, incluindo casos de uso excessivo da força durante manifestações pacíficas, detenção arbitrária e criminalização de defensores e defensoras de direitos humanos e manifestantes;
  • (c) Ataques direcionados especificamente a pessoas defensoras da província de Cabinda.

4. Além disso, a Front Line Defenders mostra preocupação com os obstáculos específicos enfrentados por defensores e defensoras dos direitos econômicos, sociais e culturais (DESC), especialmente aqueles/as que trabalham em áreas remotas do país lidando com direito à água, direito à moradia adequada e aqueles/as que promovem a responsabilização por violações de direitos humanos cometidas no contexto das indústrias extrativas (particularmente diamantes e petróleo).

5. É importante notar que durante a maior parte do período considerado, particularmente antes das eleições de 2017, instituições internacionais receberam relatórios contínuos de monitoramento, ameaças, assédio e intimidação contra defensores e defensoras de direitos humanos e jornalistas, além da recusa de registro de organizações. Uma cultura de violência contra vozes dissidentes e movimentos pró-democracia permeou Angola, enquanto o espaço para a defesa dos direitos humanos foi extremamente limitado. Leis restritivas contra ONGs independentes foram abundantes e o sistema judicial foi usado para processar falsamente pessoas defensoras de direitos humanos.

DESENVOLVIMENTOS DESDE O ÚLTIMO CICLO DE RPU

6. A Front Line Defenders deseja destacar os seguintes desenvolvimentos que impactaram na situação de defensores e defensoras de direitos humanos durante o período em análise:

  • (a) Restrições à liberdade de associação e subsequente declaração de inconstitucionalidade do Decreto Presidencial 74/15 sobre credenciamento e funcionamento de organizações não governamentais.
  • (b) As Eleições de 2017, o novo governo do Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço e a adoção da Estratégia Nacional para os Direitos Humanos (2018-2022).
  • (c) Aprovação de um novo Código Penal pela Assembleia Nacional.

(a) Decreto Presidencial 74/15

7. Em 23 de março de 2015, o então Presidente José Eduardo dos Santos emitiu o Decreto 74/151 sobre o estatuto das organizações não governamentais nacionais e internacionais em Angola. O decreto impôs novas barreiras ao registro de ONGs, limitando seu escopo de ação e implementando o monitoramento direto de suas atividades (art. 23). Também impôs a necessidade de autorização do governo para receber doações (art. 15), que foi defendida como um meio de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (art. 38).2

8. A Ordem dos Advogados de Angola solicitou ao Tribunal Constitucional que revisse a questão, que culminou com a revogação do decreto em 5 de julho de 2017 pelos votos de 9 dos 10 juízes do Tribunal (decisão judicial 447/2017).3 O decreto foi considerado formalmente inconstitucional devido à incompetência do Presidente para se pronunciar sobre questões de liberdades fundamentais (como a liberdade de associação) - de acordo com a Constituição angolana, apenas a Assembleia Nacional pode decidir sobre tais matérias.4 Esta foi a primeira vez que o Tribunal Constitucional Angolano declarou inconstitucional uma decisão presidencial. No entanto, o processo não avaliou se o conteúdo material do decreto estava de acordo com a constituição.

9. Durante os dois anos em que o Tribunal analisou a questão, as ONGs locais e internacionais sofreram com a insegurança de financiamento e com um ambiente cada vez mais restrito para operar. Isto foi observado com preocupação pelo Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em 2016 em suas observações finais sobre o quarto e quinto relatórios periódicos de Angola. O Comitê constatou que Angola impunha condições restritivas ao trabalho de pessoas defensoras de direitos humanos e jornalistas.5

(b) Eleições de 2017

10. Em 23 de agosto de 2017, Angola realizou suas primeiras eleições presidenciais em 37 anos. O período eleitoral foi marcado por severas restrições à liberdade de expressão e de reunião e por um controle direto da informação por parte do partido no poder MPLA.6

11. O Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço tomou posse em 26 de setembro de 2017 com a promessa de reformular a imagem do país e evitar um retrocesso internacional nas questões de direitos humanos. Para isso, foi realizada uma avaliação interna, através da qual o novo governo declarou a intenção de melhorar suas próprias estruturas e servir de exemplo a ser seguido internacionalmente. O novo governo também declarou que a defesa dos direitos humanos seria tratada como um aspecto da segurança nacional do país.7

12. Em 2018, o governo aprovou a Estratégia do Executivo de Médio Prazo para os Direitos Humanos 2018-2022, fazendo referência a uma série de recomendações feitas por organismos internacionais e declarando sua intenção de buscar sua implementação. O documento também inclui um capítulo específico sobre o fortalecimento do relacionamento com organizações da sociedade civil.3

(c) Novo Código Penal

13. Em 23 de janeiro de 2019, o parlamento nacional angolano aprovou o texto de um novo Código Penal9, que trouxe importantes mudanças em questões de direitos humanos, como a descriminalização da homossexualidade e a descriminalização do aborto em alguns casos. A nova lei substitui a legislação de 133 anos que foi adotada durante a dominação portuguesa e, adicionalmente, criminaliza atos de discriminação contra pessoas LGBTI no local de trabalho. No entanto, na maioria dos casos, a interrupção da gravidez ainda é considerada crime e só é permitida quando a vida da mãe está em risco, em casos de anomalias fetais fatais e quando a gravidez é resultado de estupro. O Código Penal de 2019 também falhou em promover o direito à liberdade de expressão, com a difamação ainda tratada como uma ofensa criminal. Esta lei foi criticada por defensores e defensoras de direitos humanos por não respeitar normas internacionais de direitos humanos sobre liberdade de imprensa, dado o número de pessoas defensoras de direitos humanos e jornalistas criminalizados/as por denunciar violações de direitos humanos.

PRINCIPAIS PONTOS DE PREOCUPAÇÃO

Perseguição judicial, particularmente por meio do uso de processos de difamação

14. Sob a presidência de José Eduardo dos Santos, cidadãos/ãs angolanos/as enfrentaram altos níveis de repressão às suas liberdades de expressão e associação. O novo governo vem sinalizando lentamente uma mudança10; no entanto, várias pessoas defensoras de direitos humanos que denunciam casos de corrupção e que exigem maior governança democrática ainda enfrentam as antigas acusações que podem levar à prisão e a taxas pecuniárias, devido à aplicação arbitrária de leis criminais de difamação.

15. Em 2015, Rafael Marques de Morais enfrentou processos criminais nos termos de tais leis sobre difamação por escrever o livro “Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola”, publicado em Portugal em 2011. O defensor de direitos humanos destacou várias violações relacionadas a empresas de mineração e ao Estado. Em 21 de maio de 2015, todas as acusações contra ele foram retiradas pelo Tribunal Provincial de Luanda, após pressão de organizações de direitos humanos e ampla cobertura da mídia sobre o caso.11 No entanto, em 19 de março de 2018, Rafael Marques de Morais foi novamente julgado por seus escritos. O defensor foi acusado de “ultraje ao órgão de soberania” e “injúrias contra autoridade pública”, como resultado de um artigo que ele publicou em novembro de 2006 documentando alegações de corrupção contra o ex-Procurador Geral de Angola.12 O defensor foi absolvido em 6 de julho de 2018 pelo Tribunal Provincial de Luanda.13

16. Angola usou as suas leis criminais de difamação para silenciar opositores políticos e jornalistas que investigaram casos de corrupção e violações de direitos humanos. Esta tendência foi destacada na última RPU e foram feitas recomendações sobre a abolição de tais crimes. O governo de Angola, no entanto, não aceitou tais recomendações à época e declarou que essas leis existiam para proteger as liberdades individuais.

17. A criminalização da liberdade de expressão é uma questão recorrente e séria em Angola. Isso contribui para um ambiente de medo e repressão e impede que defensores e defensoras de direitos humanos realizem seu trabalho de denúncia de violações e defesa de direitos.

Restrições ao direito de reunião pacífica e repressão a protestos sociais

18. O período 2014-2018 foi caracterizado por casos de criminalização, difamação e intimidação de pessoas defensoras de direitos humanos, como a prisão de vários/as defensores, defensoras e ativistas no caso popularmente conhecido como 15+2.

19. Entre 20 e 21 de junho de 2015, os defensores de direitos humanos Domingos da Cruz, Afonso Mayenda, Luaty Beirão, Manuel Nito Alves e Albano Bingo, juntamente a nove jovens ativistas, foram detidos pela polícia nacional e pela Direção Nacional de Investigação Criminal Angolana, devido à sua participação numa conferência sobre a “Filosofia da revolução pacífica”, proferida por Domingos da Cruz. Eles foram detidos por supostamente “prepararem a realização de atos que minariam a ordem e a segurança pública do país”.14

20. Em 12 de outubro de 2015, quatro outros defensores de direitos humanos, Adolfo Miguel Campos, “Baixa de Kassangs”, “Veriato” e Mário Sebastião, foram detidos enquanto participavam de uma missa em uma igreja católica de Luanda. O grupo procurou demonstrar sua solidariedade aos 15 defensores de direitos humanos detidos em junho de 2015, bem como à deterioração do estado de saúde de Luaty Beirão, que estava em greve de fome.15

21. Enquanto em prisão preventiva, dois defensores de direitos humanos sofreram violência policial e um deles foi torturado. No dia 14 de outubro de 2015, Afonso Matias “Mbanza Hamza” foi severamente espancado pelos guardas da prisão; enquanto Benedito Jeremias, após reclamar das condições extremamente severas da prisão, foi espancado por cerca de vinte guardas penitenciários e torturado com um bastão de eletrochoque juntamente ao defensor Albano Bingo.16

22. Em 8 de fevereiro de 2016, Manuel Nito Alves foi condenado a seis meses de prisão em um julgamento sumário. Em 28 de março de 2016, o Tribunal Provincial de Luanda condenou os demais defensores de direitos humanos do caso 15+2 a penas de prisão que variaram de dois anos e três meses a oito anos e seis meses pelos alegados crimes de “atos preparatórios de rebelião” e “associação de criminosos”. Em 29 de Junho, o Supremo Tribunal Angolano ordenou que os 17 defensores detidos fossem postos em prisão domiciliar. Depois de mais de um ano de prisão arbitrária, o grupo recebeu anistia.

23. Exemplos da extensa criminalização de defensores e defensoras de direitos humanos em conexão com sua liberdade de reunião e expressão em Angola incluem Raul Mandela, que foi severamente espancado pela polícia por organizar e participar de um protesto pacífico em 15 de setembro de 2015; e José Marcos Mavungo, criminalizado por organizar uma manifestação pacífica em 14 de março de 2015.

24. A prisão e condenação de José Marcos Mavungo suscitou preocupação internacional. O caso foi analisado pelo Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenções Arbitrárias, a União Europeia e várias organizações de direitos humanos em todo o mundo. A situação foi considerada contrária ao direito internacional17 e Angola foi criticada por esse fato enquanto ocupava a presidência do Conselho de Segurança da ONU, em Nova York, em 2016.18

25. A cultura de repressão a pessoas defensoras de direitos humanos no país continuou, embora em um nível reduzido, sob a nova administração. Em 24 de fevereiro e 24 de junho de 2018, a polícia dispersou violentamente protestos públicos em Luanda, Benguela e Lunda Norte.19

Ataques direcionados a pessoas defensoras de direitos humanos da província de Cabinda

26. Cabinda é uma província rica em petróleo (produz a maior parte das exportações de petróleo do país), localizada entre a República Democrática do Congo e a República do Congo. Desde a independência de Angola de Portugal em 1975, movimentos separatistas têm lutado pela independência de Cabinda.

27. Durante o período analisado, a Front Line Defenders acompanhou de perto o caso do defensor de direitos humanos Arão Bula Tempo, acusado de cometer crimes contra a segurança do Estado. Em 20 de março de 2015, Arão Bula Tempo foi acusado de “colaboração com estrangeiros para denegrir o Estado angolano” e “rebelião”, ambos considerados crimes contra a segurança do Estado. Estas acusações estavam relacionadas a uma manifestação pacífica que ele ajudou a organizar denunciando corrupção, violações de direitos humanos e má governança em Cabinda. Em 11 de julho de 2016, o Tribunal Provincial de Cabinda retirou as acusações contra ele devido à falta de provas

28. Atualmente, embora a situação seja considerada estável pelas autoridades, as tentativas do governo de negociar com os movimentos separatistas não avançaram. Com contínuas hostilidades, tem havido um grande número de reclamações de defensores e defensoras de direitos humanos, incluindo detenções arbitrárias, restrições à liberdade de expressão, associação e reunião.

29. No início de 2019, 62 pessoas, incluindo ativistas do Movimento Independentista de Cabinda (MIC), acompanhados/as de seus/as familiares e colegas, foram presos/as em Cabinda. Conforme documentado pela Anistia Internacional20, eles/as foram presos/as por seu envolvimento em protestos pacíficos programados e anunciados para o dia 1º de fevereiro.

CONCLUSÕES & RECOMENDAÇÕES

30. Apesar da mudança política e do aumento do envolvimento com as organizações da sociedade civil, ainda há muito a ser feito para garantir um ambiente propício às pessoas defensoras de direitos humanos no país e que permita responsabilização por violações passadas. A Constituição de Angola prevê a democracia participativa e também prevê que o Estado encoraje a participação da sociedade civil na solução de problemas nacionais, especificamente através do Artigo 21(e). Pessoas defensoras de direitos humanos têm uma luta histórica para garantir diálogo permanente com as instituições governamentais e, à luz do novo cenário político, a Front Line Defenders tem esperança de que as medidas iniciais tomadas pelo governo a esse respeito sejam continuadas e melhoradas.

31. A Front Line Defenders conclama os Estados-membros do Conselho de Direitos Humanos da ONU a instar as autoridades angolanas a priorizar a proteção das pessoas defensoras de direitos humanos e, ao fazê-lo, a:

  1. Implementar recomendações de direitos humanos e sobre pessoas defensoras de direitos humanos feitas por organismos multilaterais de maneira transparente e participativa, com total envolvimento de defensores e defensoras em todos os níveis, especialmente em relação à ratificação e implementação de tratados internacionais de direitos humanos;
  2. Reconhecer o papel vital das pessoas defensoras de direitos humanos na melhoria do cumprimento de obrigações em matéria de direitos humanos;
  3. Assegurar a participação plena, transparente e informada das organizações da sociedade civil e de pessoas defensoras de direitos humanos que trabalham em áreas afetadas por projetos extrativistas e em relação a questões de empresas e direitos humanos;
  4. Tomar medidas para fortalecer e ampliar as instituições do Estado que atuam na proteção de defensores e defensoras de direitos humanos;
  5. Assegurar investigações imediatas e imparciais sobre ameaças e violência contra pessoas defensoras de direitos humanos, levar à justiça os culpados de perpetrar ou ajudar nos crimes e fornecer reparações aos/às sobreviventes desses crimes;
  6. Abster-se de levar a cabo procedimentos criminais contra defensores e defensoras de direitos humanos e jornalistas com base em “incitar rebelião”, “terrorismo”, “instigar conduta criminosa”, “ataques contra ou resistir às autoridades públicas”, “ultraje ao órgão de soberania” e outras acusações criminais de difamação;
  7. Melhorar e adaptar a legislação sobre Liberdade de Imprensa e acesso à Informação e a Lei de Associações à Constituição e às Normas Internacionais sobre o tema, a fim de reduzir as barreiras legais e administrativas e estimular a criação de novos órgãos de informação em todo o território nacional, incluindo rádios comunitárias; e
  8. Regulamentar o Código de Mineração para garantir a preservação do meio ambiente e a contribuição das empresas de mineração para o desenvolvimento sustentável das comunidades no seu entorno.